Profissão sapateiro extinta: nem tanto

Publicado em 28/10/2019 as 15h10

Por José Saul Martins

Muitos estabelecimentos comerciais e profissionais que atuavam por estas bandas foram fechando as portas nas últimas décadas, tais como máquinas de beneficiar arroz, escolas de datilografia e entre essas casas estavam também as sapatarias e consequentemente os sapateiros. Normalmente em todas as cidades e até em vilarejos havia uma ou mais sapatarias. Hoje está restrito a abnegados profissionais que ainda batem o martelo apenas para colar as solas dos atuais tênis e sapatos. No entanto esta reportagem traz uma exceção, Francis Half Trunfino de 32 anos que ainda está conciliando as profissões de pedreiro e sapateiro/seleiro. Pretende parar com a arte real de ser pedreiro e em breve ficar apenas na fabricação de suas botas, botinas, carteiras e cintos.

 

Antes de tratar sobre a atuação de Trunfino em Aparecida de Monte Alto, a reportagem falou com outros dois experientes sapateiros, um de Catanduva e outro aqui de Fernando Prestes.

 

Ao sair de uma padaria, no alto da Rua Ceará em Catanduva que fui tomar um café eis que vejo uma portinhola de uma sapataria. Estava a consertar um sapato surrado sobre um pé-de-ferro Ademir Divino Bitto, 68 anos de idade e desde os 12 como sapateiro. Após me identificar como jornalista, simpático e falante contou um monte de coisas, onde nasceu, chamou sua patroa Elza e proseamos um tempão.  Disse que está na profissão atuando sozinho desde 1974. Antes trabalha com seu irmão mais velho. Falou que é natural de Urupês-SP, mas está em Catanduva faz muito tempo. Pedi uma foto, um selfie.

 

Prontamente concordou, quando chamou a dona Elza, que apesar de extrovertida e simpática não quis participar da foto. Ao me aproximar de sua pequena bancada para a foto fez recomendações para não pisotear os sapatos que aguardavam a cola de sapateiro curar, antes da soldagem final. Selfie pronto Ademir disse que tinha conhecidos em Fernando Prestes e inclusive tinha vindo algumas vezes a esta cidade em domingos almoçar na casa de “Paulinho Simonetti”. Ele e dona Elza explicaram que ficaram amigos pelo fato das filhas estudarem juntas em Catanduva surgindo então a amizade das famílias. O sapateiro disse que tinha algumas dores lombares, mas que trabalharia até que suas vistas e mãos ajudassem. Despedi de Ademir e da esposa Elza e sai. Antes recomendou saudações ao Paulinho Simonetti aqui em Fernando Prestes. Prometi que sim e fiz.

 

Apesar desta pauta estar em minha agenda há meses foi em Catanduva que comecei. O inspirador desta matéria foi Paulo Pires, o sapateiro de Fernando Prestes, com quem marquei uma breve entrevista em meados deste mês.

 

No dia marcado encontrei o Paulo Roberto Pires, 64 anos, em sua pequena oficina no alto da Rua José Agustoni, com algumas prateleiras repletas de sacolinhas recheadas de todos os tipos de calçados consertados aguardando os donos apanharem. Desde minha meninice conheço os Pires como sapateiros, mas queria ouvir a história do entrevistado.

 

Sentei num tamborete ao seu lado na bancada. Ajeitou os óculos e começou contando que trabalhava com seus pais e seus irmãos desde menino na sapataria da família que funcionou por muitos anos na mesma Rua José Agustoni numa casa próxima ao Ribeirão Mendes. De todos os irmãos Paulo foi o único que continuou com o ofício de sapateiro. Mesmo porque, conforme relatou, seus irmãos e irmãs casaram e foram morar em outras casas e ele ficou com todos os apetrechos usados por seu pai João Pires.

 

Após a morte de sua pai, as pessoas continuaram a procurar pelos serviços. Paulo Pires, além de sapateiro é agricultor, funcionário púbico, horticultor e pipoqueiro. As últimas duas atividades divide com a esposa Joana, que todas as manhãs sai com um carrinho vendendo as hortaliças pela cidade. Joana também ajuda Paulo com as pipocas em eventos. Também fazem algodão doce.

 

Paulo continuou falando sobre o ofício de sapateiro. Quando trabalhava com seus familiares, seu pai fabricava sapatão e tralhas de animais sob encomendas. Com o advento dos materiais sintéticos a fabricação de sapatões, usados principalmente na roça, foi perdendo o foco e aí os reparos ganharam força. Ele disse que hoje tem clientes de várias cidades da região e conserta calçados, tralhas de animais e até bolas de futebol. Durante a entrevista Pires  mostrou algumas agulhas que ele mesmo desenvolveu para usar em seus consertos.

 

Sobre o futuro da profissão demorou em sua resposta. Não sabe o que será, mesmo porque seus filhos estão atuando em outras profissões e nem sabem o ofício. – Talvez eu seja o último Pires sapateiro em Fernando Prestes – concluiu em tom nostálgico e emocionado.

 

A última entrevista foi com Francis Half Trunfino, 31 anos, desde os 12 na profissão de sapateiro. Já foi trançador de laços e fabricante de tralhas de animais. Half me recebeu com sua mãe Maraísa numa casa simples na Rua Boanésio Gonçalves de Oliveira em Aparecida de Monte Alto. A última casa da rua.

 

O jovem sapateiro, em relação ao Pires e Bitto, começou falando que iniciou com tranças de laços. Disse que dava um baita trabalho, desde o preparo dos couros até os arremates finais nos laços de 12 braças (uma braça mede 2,20 metros). Também fazia tralhas em couro  para animais.

 

Reclamou que a profissão de trançador não é valorizada na região sem muita tradição nas lidas de gado. Os laços eram normalmente usados como adornos em eventos ligados a rodeios e não ao uso efetivo no trabalho de pastoreio. Após uma encomenda frustrada resolveu deixar as tranças e aprender a fabricar botas e botinas. A oficina em sua casa é dotada com vários equipamentos para a confecção dos novos produtos, que aprendeu a fazer com o sapateiro taquaritinguense Airtom Micali.

 

Por dois anos, todos os fins de semana, Half ia a Taquaritinga aprender a arte da sapataria. Nesse tempo também foi comprando equipamentos para seu empreendimento. Hoje ele faz botas, botinas, carteiras e cintos. A vantagem de Half é que ele faz sob medida e caso o cliente queira pode personalizar com nomes e outras individualidades ficando o produto exclusivo.

 

O novo sapateiro está construindo uma casa em Fernando Prestes e muito em breve virá para esta cidade com sua noiva Elaine. Half disse que pretende montar sua empresa “Montesina Sapataria e Selaria” por aqui. Fabrica hoje cerca de 15 botas e botinas por mês, mas pretende aumentar suas vendas e produção. As botas são vendidas a um preço médio de R$300,00, bem abaixo do praticado pelo mercado.

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