Publicado em 20/06/2019 às 9h40
Morador de Botelho pode ser o homem mais velho do Brasil
Em um país continental como o Brasil, o ir e vir de uma região para outra não se trata de um passeio, mas uma saga. As condições sociais dos viajantes, no caso que será abordado, migrantes, pesa e muito. Uma viagem de migrantes nordestinos na década de 1930 para o sul do país, certamente a saga foi muito mais árdua. A história a seguir é de um migrante nordestino, hoje com 107 anos: Genézio Dias.
Segundo filho do casal José e Maria Dias, Genézio Dias, nasceu em Palmeira dos Índios em Alagoas em 17 de junho 1912 segundo consta em seu CPF. Apesar de constar em seu RG o ano de 1917, ele afirma que o correto é 1912 e assim será tratado. Afinal cinco anos, para quem viveu mais de um século nem faz tanta diferença.
Genézio Dias, hoje mora no distrito de Botelho no município de Santa Adélia-SP, em companhia da filha Delausa e do neto Cláudio. Residem numa casa simples e bem arrumada no único conjunto habitacional do distrito. Com certa dificuldade em falar devido a dois derrames que teve em 1990, por ocasião do falecimento da esposa Antonia Rosa. “Ele ficou muito abalado com a morte de mamãe” disse Delausa que foi a auxiliar na entrevista. Com alegria e simpatia contagiantes seu Genézio foi respondendo as perguntas apesar da dificuldade com a fala. A conversa com a reportagem aconteceu numa praça do bairro onde mora na tarde de 17/06. Dia de seu aniversário.
Na época que viveu em Alagoas, Genézio teve como contemporâneo Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião e seu bando. Conta que seu pai sempre “fazia viagens” com os cangaceiros. Notadamente acanhado confirmou que conheceu Lampião e que seu genitor era um cangaceiro. Não era legal a presença dos homens do cangaço em sua casa, que por muitas e muitas vezes paravam para se alimentar e descansar. Quando a mãe sabia que haveria uma parada escondia as crianças na caatinga. “Não era bom o contato com o bando, sem contar que, especialmente Lampião não gostava muito de crianças” falou o entrevistado.
A antipatia era reciproca, seu Genézio disse que também não gostava dos cangaceiros, porque muitas vezes sua mãe tinha que acordar de madrugada, mesmo em resguardo, a mando se seu pai para preparar comida limpando e cozinhando cabritos, porcos e outros bichos. Quanto ao “resguardo”, o entrevistado disse que sua mãe ficou grávida por 25 vezes, com muitos natimortos e mortes precoces na primeira infância. Apenas ele e sua irmã Orelina vingaram.
No nordeste foram muitas mudanças pelo interior de Alagoas, onde casou com Antonia Rosa. Era esposa e prima. A vida de lavrador tem seus perrengues e quando a terra a ser cultivada está no sertão nordestino a dificuldade aumenta muito. Quase que impossível a sobrevivência. Genézio ficou sabendo que no sul do país, mais precisamente no Estado do Paraná havia fartura e abundância. Os cafezais estavam sendo formados no centro oeste e muitos migrantes foram para lá em busca de uma vida melhor. Bem ao estilo Vidas Secas de Graciliano Ramos coincidindo inclusive com a época de lançamento do livro (1938), o nordestino chega ao Paraná de mala, cuia, filhos e esposa. Ao todo, o casal teve 10 filhos: José, Helena, Marinita, Antonio, Manoel, Delausa, Maria Rosa, Maria de Lourdes, Orlando e Lindinalva.
A labuta no Paraná durou até 1980, quando já aposentado das lidas nos cafezais que entrava em decadência, Genézio com os filhos criados, casados e estabelecidos resolveu encarar mais uma saga: mudar para São Paulo. E assim fez. Paraisópolis foi o destino, como de tantos outros patrícios nordestinos. O bairro favelizado situado em região nobre de São Paulo é hoje a segunda maior comunidade da capital paulista, que tem Heliópolis como a primeira colocada com mais de 100 mil habitantes.
Como já estavam aposentados, ele e a esposa, o dinheiro que entrava até dava para sobreviver, mas com uma inflação galopante da época o orçamento ficava apertado, sem contar que alguns filhos também deixaram o Paraná e uma grana extra era sempre bem vinda, Genézio virou camelô. Comprava suas “bugigangas” no bairro do Brás e revendia em sua banquinha em Paraisópolis.
Delausa contou que vez ou outra seu pai tomava umas pingas a mais e certas tardes vinha para casa bem “alegre” empunhando seu tabuleiro e as matulas com o restante das mercadorias. A filha, que era vizinha, lembra que sua mãe em tom de brincadeira, quando avistava o esposo chegando dizia “olha o cabra da peste parece que tá ventando”. Durante a entrevista, escutando a narrativa da filha Delausa sobre suas tardes etílicas, Genézio deu uma gargalhada. Um filme de 107 anos deve ter vindo a sua mente. A filha disse que fora algumas tardes que saía do prumo, seu pai nunca teve excessos. Ele tomou cachaça e fumou até os 80 anos.
Em 1990 foi um ano muito difícil para todos. Falecia aos 82 anos a esposa Antonia Rosa e de tristeza talvez, Genézio teve dois derrames, o deixando com sequelas na fala e no braço esquerdo. A vida continuou e a filha Delausa, que estava separada do marido, juntamente com os filhos foi morar com seu pai e cuida dele até hoje.
Com a crescente escalada da violência nos grandes centros urbanos, não poderia ser diferente em Paraisópolis e buscando uma vida mais calma, a auxiliar de serviços gerais Delausa deixa São Paulo com seus filhos e seu pai ancião. Por indicação de uma irmã que reside no distrito de Agulha encontrou uma casa acessível em Botelho. “Aqui é uma paz. Estamos muito bem neste lugar” disse a filha, durante a entrevista que aconteceu numa praça em frente a sua casa.
Claro que a pergunta sobre sua longevidade não poderia faltar e a resposta foi um gesto de seu Genézio com o antebraço direito em riste com a voz dificultada disse: “ser firme”. Concluiu o ancião com o punho cerrado.
OBS – O jornal A Trombeta fez contato com o serviço cartorário de Palmeira dos Índios em Alagoas em busca da data precisa sobre o nascimento e registro de Genézio Dias e aguarda um retorno. Em posse do resultado será feito contato com o Guinness World Records. Agradecimento à Weslen dos Santos pela dica de reportagem.
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